segunda-feira, 20 de novembro de 2017


7ème Arrondissement


Continuemos com os amantes. A vida é curta!

Paris, Rue Rousselet, um petit Cafe-Restaurant, Fignier, uma rua tranquila.
Há quantos anos o Restaurant ali estava, ninguém sabia ao certo. Nem a dona. Ela e o marido o haviam comprado há mais de vinte. Clientes habituais, um salão de jantar de tamanho médio, muito arrumado, um pequeno café e bar na entrada, e sempre, sempre, uma cozinha gourmet.
Clientes habituais e quase diários, como Jean Louis, aposentado da SNCF, que raro o dia ali não almoçava. Íntimo da casa, entrava sempre com um sorriso e um belo cumprimento para a simpática, eficiente e trabalhadora dona, madame Simone.
Madame Simone tinha enviuvado há quase sete anos e, de entrada foi-lhe difícil continuar com o negócio, que quase só ela e o marido mantinham. Teve que se organizar, arranjar um ajudante de cozinha que ela nunca deixava de supervisionar, e ao mesmo tempo atender ao bar, onde a maioria dos fregueses já quase faziam parte da família.
Jean Louis era um desses fregueses a quem madame Simone, como a outros, fazia questão de atender pessoalmente.
- Sempre bela, madame Simone! Então o que me recomenda hoje?
- Não seja tolo messieur Jean Louis. Já não sou jovem, e ouvir esses cumprimentos até me deixam sem graça. Sabe que nós devemos ter quase a mesma idade! Bom, que tal un petit filet avec pommes sautées et des artichauds au beurre?
Jean Louis era também sempre atencioso:
- Ah! Madame, vous me portez toujours vers le ciel! Não esqueça o vinho. Pode mandar trazer já, mesmo antes da comida.
O garçon trouxe o vinho da conhecida preferência do habitual cliente, mas era sempre madame Simone quem fazia depois questão de servir o prato com a comida.
- Voilà.
- Sempre uma maravilha. Obrigado.
Com muito tempo e calma, Jean Louis, nos seus sessenta e alguns, saboreava o magnífico filet, bebia uns dois copos de vinho, e por fim alguma sobremesa leve e o indispensável café.
Se o restaurante não estivesse cheio deixava-se ali ficar sentado um bom tempo. Assim que saísse não tinha rumo certo, a família toda vivia longe, teria que passear pelas ruas, dele sobejamente conhecidas, vagava, vez por outra ia ao cinema ou a um teatro, enquanto no restaurante havia movimento, alguma animação e sobretudo a sua amiga, sim, porque de há muito se consideravam amigos, madame Simone.
Só aos domingos, e nem todos, é que ia almoçar com a única filha e netos. Era praticamente só essa a variante da sua vida.
Quando todos os clientes saíam, por vezes madame Simone vinha comer a sua refeição na mesa do cliente, o que a este dava um prazer especial. Conversavam, sobre assuntos banais, mas Jean Louis começava a sair de lá frustrado. Vivia só e aquela companhia estava a animá-lo, sobretudo a fazer-lhe falta.
Chegou o dia em que se atreveu ir um pouco mais longe.
- Madame Simone, a senhora mora aqui por cima do restaurante, não é?
- É verdade.
- E vive sózinha?
- Vivo. Mas como costumo sair tarde daqui, muitas vezes nem tempo me sobra para pensar nisso, já que bem cedo estou de volta e começa todo o trabalho de novo.
- Mas às segundas-feiras, o restaurante fechado, era ocasião para relaxar um pouco.
- Mas é isso que eu faço. Levanto-me mais tarde, dou uma volta pela casa, que apesar de não ser grande sempre precisa de mão de mulher, depois saio, vou almoçar fora, e tudo isso já é uma variante.
- Vamos fazer o seguinte: numa próxina segunda-feira eu venho buscá-la, de carro, e vamos almoçar fora de Paris. Tomamos um pouco d’air de la campgne, almoçamos num lugar tranquilo, e nesse dia não tem que se preocupar com nada. Fica, inteiramente, por minha conta! O que acha?
- Messieur Jean Louis. É muito amável da sua parte, mas...
- Não tem mas... É um convite sincero, e devo dizer-lhe que me sentirei muito honrado se aceitar.
- Vou pensar. Durante o resto da semana voltaremos a falar nisso. Mas eu não quero, de forma alguma, atrapalhar a sua vida.
- Meu Deus! Atrapalhar a minha vida! Jamais. Pelo contrário. Seria para mim uma grande alegria.
No sábado, madame Simone, quando serviu o almoço ao seu cliente, muito rapidamente e em voz baixa disse-lhe
- Segunda-feira. Combinaremos isso mais logo.
Jean Louis não cabia em si de contente. Parecia um menino a quem prometeram o brinquedo desejado.
Um pouco mais tarde, restaurante quase vazio, madame Simone traz o seu prato e vem sentar-se na mesa de Jean Louis.
- Então segunda feira vamos para o campo! Há anos que não saio de Paris, e só de pensar que posso respirar um pouco de ar puro, achei que deveria aceitar o seu amável convite.
- A que horas devo vir buscá-la?
- Pelas nove e meia, para nos podermos afastar mais da cidade, e sair dos engarrafamentos. O que lhe parece?
- Esplêndido.
À hora combinada, Jean Louis no seu carro, um pequeno Citroen, lá estava à porta da casa. Madame Simone, desceu, ele saiu para a cumprimentar e lhe abrir a porta do carro, e seguiram direção Norte.
- O que lhe parece irmos até à Normandia?
- Para mim é igual. Só de sair da cidade já é uma maravilha.
Optaram por estradas secundárias. Não tinham pressa e a idéia era gozarem a natureza. Era Maio e os campos estavam lindos, muitos deles cobertos de flores.
Pararam em vários lugares, ora para apreciar a paisagem ora visitar um monumento antigo, e pareciam felizes com toda aquela descontração. Sempre Jean Louis chegava primeiro ao carro para abrir a porta à sua companheira, o que ela não deixava de notar e se sensibilizar.
À hora do almoço acabaram por deparar numa estrada quase sem movimento, un Petit Auberge – Café – Restaurant, com uma estrela Michelin, garantia de qualidade, que logo lhes chamou a atenção. Fora, a povoação estava rodeada de campos e floresta, o lugar quase idealizado, para que, longe do tumulto das cidades, respirassem o tal ar puro.
Restaurante simples, a proprietária, madame Michelle, recebeu-os muito bem, uma senhora amável, que lhes propôs o que ela achava melhor nesse dia:
- Terine maison et aprés perdrix embeurrée de choux, foie gras et cèpes. (Cépes, um delicioso champignon!)
- Mas como deve ser bom! – Jean Louis já lambia os beiços – O que acha?
Madame Simone confirmou que seria ótimo.
- Du vin?
- Que tal um Bourgogne Nuits Saint George?
- Magnífico.
Conversaram, comeram o almoço que estava delicioso, depois um crème brulé, e café. Não podia ser melhor.
Sairam, deixaram o carro em frente ao Auberge e foram andar um pouco pelo campo.
Sentiam-se felizes, e como o caminho pelo campo era de piso irregular, Simone de repente tropeçou e teve que se apoiar em Jean Louis. Daí para a frente seguiram de braço dado.
Quando viram que era chegada a hora, de novo à estrada, a caminho de Paris, e volta e meia respiravam fundo! Lembrar do ar puro que haviam inalado, ou alguma espécie de nervoso pela presença um do outro?
Ao entrarem em Paris:
- Madame Simone: tenho outra surpresa! Tenho aqui bilhetes para irmos hoje ao teatro! Théâtre La Bruyère, ver “Leu jeu de l’Amour et du Hasard”, com Leonie Simaga e Alexandre Pavlov. Tem recebido ótimas críticas.
- Oh! Gostei da ideia. Mas vou ter que trocar de roupa.
Passaram em casa, Simone subiu para se arrumar, enquanto Jean Louis, discreto esperou no carro.
O teatro foi muito bom, o título da peça parecia ter sido escolhido para eles que muito gostaram,
De volta a casa, mais uma vez Jean Louis fez questão de abrir a porta do carro. Simone, saiu.
- Foi um dia maravilhoso. Não sei como lhe agradecer.
- Não tem nada a agradecer. Eu é que lhe agradeço muito a sua fantástica companhia. Foi um dia ótimo e, para mim, inesquecível.
- Também foi muito bom para mim. Muito obrigado.
- De nada. Amanhã nos veremos.
Boa noite, boa noite, Jean Louis foi embora sorrindo. Alegre.
A semana ia correndo dentro da mesma rotina, com Jean Louis sempre procurando ficar o máximo possível no restaurante. Passou até a chegar um pouco mais tarde para permitir que os restantes clientes fossem saindo primeiro.
E lá vinha madame Simone sentar-se ao lado dele.
- Não me sai da cabeça aquele nosso passeio. Temos que repetir. O que lhe parece?
- Eu também apreciei muito, e acho que qualquer dia voltaremos a dar outro passeio.
- Que tal já na próxima segunda-feira?
- Nesta não, porque na última não consegui dar um trato na minha casa, e não posso deixá-la ao abandono. Vamos deixar para a outra. Fica já combinado.
Jean Louis não via o tempo passar. Tinha que esperar uns dez dias que lhe pareceram uma eternidade, e no dia aprazado, lá estava ele, no seu Citroen a abrir a porta a madame Simone, que vinha com uma roupa mais fresca. Fim de Maio, um dia de sol, Jean Louis também só com uma camisa de verão, um boné na cabeça, enfim, dois turistas autênticos.
- Sabe uma coisa: fomos tão bem recebidos naquele Auberge que sugiro que voltemos lá para almoçar de novo. O que acha?
- Perfeito.
- Vamos é por outras estradas. O campo é sempre lindo, mas é bom variar.
Flores, monumentos, algumas villages que mereciam uma parada para serem apreciadas, e de novo no restaurante.
- Madame, aqui estamos novamente. É porque gostámos.
Madame Michelle desta vez disse-lhes:
- Nem vou dizer-lhes o que tenho para o almoço. Será surpresa. Mas se não gostarem, troca-se pelo que quiserem.
- O que lhe parece?
Madame Simone achou a idéia ótima.
- Merece vinho tinto ou branco?
- Acho que tinto.
- Então por favor traz o mesmo que bebemos da outra vez. Lembra?
- Muito bem.
Jean Louis, antes de chegar o almoço, pediu desculpa, levantou-se da mesa, disse que precisava de lavar as mãos e dirigiu-se à proprietária do Auberge, sem que madame Simone o visse.
- Tem algum quarto vago?
- Sim, porque?
- Por favor, reserve um, de preferência com uma vista bonita para o campo.
E voltou para a mesa.
Madame Simone estava com um ar também de felicidade. Ela que estivera enclausurada anos seguidos e que, mesmo as férias passava em lugar triste, perto de uma irmã. Somente aproveitava para descansar, mas não tinha distrações nem nada que a atraísse.
Jean Louis, talvez o calor do dia o estivesse a estimular, pegou na mão da sua amiga Simone. Colocou-a entre as suas, e sem dizer nada ficou a olhá-la. Ela deixou, sentiu um ligeiro rubor, mas não reagiu.
- Simone, vou deixar o “madame”. Não calha nós estarmos aqui como amigos com esta cerimónia. Por favor trate-me por Jean, ou Jean Louis, como quiser.
- Acho muito bem.
- E...
Entretanto chegava o almoço, e enquanto se serviam estiveram calados. Nem repararam bem o que tinham na frente para comer.
Olhavam-se nos olhos.
- Eu ia dizer-lhe que nós, que não somos já meninos, podemos pensar em nos juntarmos.
Simone estremeceu. Ela sabia que não tardaria a vir uma proposta assim, mas não esperava que fosse tão direta, e no momento ficou sem saber o que responder.
- Eu não vou meter-me no seu restaurante, não vou atrapalhar em nada a sua vida, mas temos muitas horas que sobram aos dois, e vivê-las em conjunto será certamente muito melhor do que cada um no seu canto, isolados.
- Jean. Não sei o que lhe dizer. Conhecemo-nos há muito tempo, temo-nos sempre respeitado, o que me leva a receber essa proposta com toda a seriedade. Mas não sei se seria bom para ambos.
- Porque?
- Não sei, e olhe o que vou dizer: essa idéia também já me passou pela cabeça, e eu tentei esquecê-la.
- Porque esquecê-la? É uma proposta que não deve estranhar. Já de há muito tempo que olho para si com olhos diferentes. Procuro ficar no restaurante o máximo de tempo possível, porque no fundo a sua companhia me faz bem, e eu sinto muito a sua falta logo que nos afastamos.
- Vamos comendo isto que está com ótimo aspeto.
Jean Louis nem apreciou o que comeu. Engoliu. Estava preso no que Simone lhe poderia dizer.
- Simone, eu não deveria dizer que a amo, porque poderia soar um tanto infantil, mas a verdade é que a desejo muito. Você é ainda uma mulher atraente, cheia de vida. Porque desperdiçá-la sozinha?
- Jean, está a deixar-me confusa, sem saber o que lhe dizer.
Acabaram o almoço. Jean Louis estava disposto a jogar todas as cartas.
- Simone, prometa que não se zanga comigo, com o que lhe vou dizer, e propor.
- O que é?
- Pedi á senhora para reservar um quarto para nós. Vamos lá acima. Não faremos nada que não queira, mas conversaremos mais sobre tudo isto. Sabe que eu seria incapaz de ir contra a sua vontade. Tenho-lhe muito respeito e não queria que jamais pensasse mal de mim.
Simone estava, aparentemente, sem resposta. Mas no fundo sabia que também essa proposta um dia chegaria. As mulheres têm um sentido mais profundo do que os homens!
- Está bem. Vamos lá conversar sobre as nossas vidas.
Jean Louis vibrava e o seu coração batia mais forte. Quarto número 4, à direita.
Abriu a porta, fez com que Simone entrasse e voltou a fechar com a chave. O quarto tinha uma bela janela com uma magnífica vista para o campo. Simone aproximou-se, olhou e disse “que beleza”.
Jean que veio por detrás passou-lhe carinhosamente os braços pela cintura. Simone teve a melhor reação que Jean podia esperar: aconchegou-se. E assim ficaram uns quantos momentos, sem falar.
Então Jean virou-a para ele.
- Simone já senti a sua resposta. Estou no céu. – E abraçou-a com mais calor.
Ela, de entrada meio inerte, não tardou a passar os braços em volta dele também, e o inevitáel, aliás o esperado, aconteceu. Um beijo, e muito silêncio.
Jean, como sempre delicado, e receoso com uma possível reação negativa, aponta para a cama.
Simone, também devagar, senta-se nela. Voltam a abraçar-se, e já começam a querer tirar a roupa.
Jean diz-lhe:
- Simone, use a salle de bains para se pôr à vontade.
Ele despiu-se, deitou-se dentro dos lençois e ficou, com o coração a bater, à espera que a porta da salle de bains se voltasse a abrir. Não tardou. Simone sai enrolada num lençol de banho, cabeça baixa, com vergonha de cruzar o olhar com o parceiro, e correu para dentro da cama.
Abraçaram-se, acarinharam-se, ferviam beijos, mon amour, até que chegou o momento inadiável. Jean estava preparado, Simone entregou-se.
Duram sempre pouco, estes momentos, mas deixaram os dois em sublime felicidade. Olhavam-se e riam. Parece que, realmente se amavam. O amor não escolhe idades.
- Jean, isto é tudo muito louco! Mas a verdade é que há muito tempo eu sonhava com um encontro destes. Não com um homem qualquer. Você foi maravilhoso, e eu acho que estou pronta para aceitar a proposta que me fez ao almoço. Hoje vamos aproveitar estes momentos, sem falar mais nisso. Eu estou muito feliz.
- Simone, mon amour, eu também não tenho palavras, mas agora então é que não a quero perder. Amanhã começaremos a discutir os detalhes da nossa união, se bem que não haja grande coisa para discutir! Há muito que eu também sonhava com este encontro, e estou até com dificuldade em realizar que tenha acontecido.
Deixaram-se ficar deitados, abraçados mais um bom tempo, até que chegou a hora do regresso.
À saida, Jean Louis disse à proprietária:
- Madame, vamos voltar em breve para a nossa lua de mel, e queremos o mesmo quarto!

05/03/2014





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