sábado, 16 de setembro de 2017




ETHEL

Mistérios nova-iorquinos
De um velho jornal The New York Times

By George Mc Nally
(Data ignorada)


Vamos já dizer quem é a Ethel. Uma jovem “afro-americana”, como dizem lá nos States, classe média, entre baixa e quase pobreza, 19 anos, com um pequeno emprego, mal pago, em Nova York.
Apesar do tempo estar agradável, chovia na Big Apple quando Ethel saiu da loja para ir comer um hambúrguer no seu rápido intervalo do almoço. Muita chuva, e de repente, uma frente gelada e um vento violento.
As umbrelas viravam-se, as saias agitadas subiam e desciam, ela bem procurava segurá-las, mas tinha também que evitar molhar e perder a sua parca refeição.
Num instante estava com as saias quase pela cabeça, molhadas, grudadas nas costas, os baixos conhecidos por bunda, em conveniente - ou inconveniente - exposição, e um “magote” de rapazes e homens a apreciarem e troçarem da situação, com chistes sempre demonstrando linguagem chula.
Ethel procurou apressar o passo, seguida pelo bando de selvagens. Com tanta chuva não podia correr. Começava a ficar com medo.
Surgindo como que do nada, a seu lado pára um carro, abre a porta e chama-a para entrar. Dentro um homem de meia idade, ar tranquilo.
- Entre. Não tenha medo. Entre, entre.
Ethel, perseguida por “cães” famintos, e convidada a entrar no carro de um desconhecido, mas com ar gentil, optou por sair da chuva e da perseguição.
- Aí no porta luvas tem uma pequena toalha. Limpe o que puder. E, repito, não tenha medo que não lhe vou propor nada de mal. Quando quiser sair do carro só tem que me dizer.
Ethel, olhava o seu “salvador” entre incrédula e desconfiada, mas foi-se descontraindo ao ouvir a voz e atitude calma de quem a salvara duma situação desagradável.
- Você trabalha?
- Sim.
- Onde?
- No Supermarket Fine Fare, Odgen Avenue.
- E o que faz lá?
- Limpeza. Passo o dia a limpar o chão e os depósitos.
O “salvador” encostou o carro, olhou-a bem, dos pés à cabeça, e viu uma garota bonita, elegante, ar humilde.
- Estamos perto do seu trabalho, se quiser sair... Mas eu tenho uma proposta para lhe fazer. Apresentá-la a uma senhora que conheço bem, tenho a certeza vai querer contratá-la, e por muito melhor salário. Aceita o desafio? Não tem nada de escondido nisto, nem qualquer proposta de caráter sexual. Descanse.
Ethel ficou baralhada.
- Já lhe disse que não tem que recear, da minha parte, absolutamente nada. Se aceitar, eu já tenho ideia de como a livrar do supermercado.
- Como?
- Veja. É fácil. Como se chama o seu chefe lá no supermercado? E qual o telefone dele?
- Mr. Jones Susa? O número é...
Tira o telefone do bolso, disca, chama o tal Mr. Jones e:
- Mr. Jones? Daqui é o Dr. Judice, da Clínica Mount Eden. A senhorita Ethel, que trabalha aí, caiu na rua, foi resgatada e trazida aqui e está com um tremendo resfriado. Com febre. Não pode voltar hoje ao trabalho e precisa pelo menos mais dois a três dias em casa. Retornará quando estiver bem.
- Obrigado dr. por avisar.
- Pronto! Miss... ? Que idade tem?
- Ethel. Faço 20 daqui a dois meses.
- Agora vamos tratar da sua nova vida.
Carro em marcha pararam numa boa loja de roupas.
“X”, como vamos chamar o “salvador”, de quem nunca se soube o nome, chamou uma vendedora e disse-lhe para vestir Ethel com o que tivesse que melhor lhe servisse. Nada de trajes de cerimónia, nem muito chic, mas o que puder apresentá-la, bem, para um trabalho de responsabilidade. Uns três ou quatro conjuntos, sei lá, vestidos saias, o que entender. E roupa interior. Ah! E sapatos.
Durou pouco mais de uma hora a escolha e os necessários arranjos. Estava a ficar linda, Ethel.
“X” pagou tudo, saíram com umas quantas bolsas mais uma sacola com a roupa molhada.
Próxima parada, cabeleireiro. Mesma recomendação. Pentear a jovem, com simplicidade, mas que lhe ficasse bem. Muito bem.
Ethel estava outra pessoa. Feliz, mas cada vez mais desconfiada com tanta amabilidade.
De volta ao carro, andaram cerca de meia hora, e quando pararam, mais uma vez, estavam à porta de um prédio na 76th Avenue.
“X” tirou um cartão do bolso, sem nada impresso, e escreveu:
Mrs. Elisabeth – 10th floor  //
- Você sobe – é esta porta aqui mesmo – e entrega este bilhete. Só isso. Mrs. Elizabeth saberá o que fazer. Ah! E tem aqui uns dólares para voltar para casa de táxi com esses embrulhos todos para levar. Peça ainda a Mrs. Elisabeth que volte, daqui a dias a falar com Mr. Jones do supermercado.
- Mas o senhor nem me disse o seu nome! Pelo telefone chamou o meu chefe e disse que era o dr. Judice!
- Pelo telefone tenho que dar um nome qualquer. Mas para você não preciso. Nem me chamo Judice nem sou médico! Não precisa saber o meu nome. Qualquer dia vamo-nos encontrar. Entretanto, boa sorte. Coragem.
­Ethel, carregada com as preciosidades que acabara de ganhar, pensava que tudo era um sonho. Estava outra pessoa. Pode dizer-se que estava linda.
No 10° andar, uma porta de vidro, escrito ELIZABETH  FASHION.
Entregou o bilhete a quem lhe abriu a porta, que logo a conduziu à Mrs. Elizabeth que parecia, e era, a CEO daquele lugar.
- ­Sente-se, por favor. Como se chama?
- Ethel.
- Ora este cartão que parece nada ter escrito, tem tudo. O senhor que lho entregou tem conosco, há anos, um contato através de códigos! A ele devo o que sou hoje, mas também só o vi uma vez! Numa conversa informal, disse-lhe que a minha ambição era trabalhar com moda e, uns dias depois mandou-me um bilhete deste tipo e que o entregasse a um dos diretores do Citibank. Fui recebida como um emir das arábias! Abriram logo uma conta com o crédito que eu necessitasse. E fez mais quando eu procurava saber o saldo devedor, para meu espanto, em vez de aumentar diminuía! Até hoje a minha gratidão é imensa, mas não sei quem é o “salvador”!
Só sei que quando coloca dois traços vermelhos é que está muito interessado no seu futuro. Esta, como vê, é uma empresa de modas. Aqui confeccionamos os mais belos e caros vestidos, e uma ou duas vezes por ano fazemos desfiles. Você vai aprender várias coisas e conforme a sua aptidão ou fica na costura ou também nos desfiles, mesmo que a sua altura não seja a ideal. Mas como há muitas clientes da mesma altura... não tem que se preocupar. Agora fale-me de si.
- Sou de uma família muito modesta, tenho 19 anos, estudei até à 10ª série, e estou, ou estava (!) a trabalhar num supermercado, na limpeza, e ganhava 12 dólares por hora. Depois apareceu este senhor que me mandou vir aqui.
- Muito bem. Vai começar já com 4.000 por mês. O que lhe parece?
- Mrs. Elizabeth, a mim tudo o que me está a acontecer parece um sonho ou um milagre. E isto começa porque um desconhecido me apanhou na rua, toda molhada da chuva e me livrou de uns selvagens que me perseguiam, e de quem nem o nome sei!
- Ethel! Nem eu sei o nome ele! Conheço-o só através destes bilhetes que me manda e por alguém que de vez em quando aparece aqui com uma mensagem de “um senhor” que lhe pagou para os trazer em mãos. É um mistério, mas é um anjo misterioso! Mas nós vamos acabar por descobrir. Eu penso que ele já aqui veio mais do que uma vez, mas apresenta-se sempre como se fosse “um qualquer” que vem trazer uma mensagem. Mas nem sei se seria ele!
Ethel sentia-se no céu! Quando ao fim do dia voltou para casa não conseguia explicar à mãe o que se tinha passado, mas que estava num trabalho novo e com um salário muito melhor.
- Minha filha: cuidado com os homens! É assim que eles caçam as amantes!
- Mãe! Não acredito. Ninguém sabe quem ele é, e foi de grande gentileza e educação, comigo. Estou-lhe muito grata e continuo sem saber quem é, nem o que faz. Só sei que tenho um novo trabalho, onde ganho, para começar quase o dobro e estou a aprender um novo e importante trabalho!
- Que Deus te abençoe, e te proteja minha filha.
O novo trabalho absorvia-a completamente e estava a demonstrar tanto interesse, entusiasmo, e qualidade, que Mrs. Elizabeth já a considerava como uma das pessoas indispensáveis na empresa.
Vez por outra aparecia um indivíduo para simplesmente entregar um envelope à Mrs. Elizabeth e sumia logo. Passou a ser mais analisado do que antes. Todas as funcionárias procuravam encontrar nesse emissário o misterioso senhor “X” mas não conseguiam decifrar quem seria.
Passou o tempo. Uns dois anos.
Elizabeth Fashion anunciara um desfile de modas no New York Fashion Week. Era muito o trabalho, boa parte dele supervisionado por Ethel, já consagrada costureira e que aprendera também a desfilar, apesar de não passar de 5’ 5” de altura, mas muito segura e elegante, marcava destacada presença entre as habituais modelos de metro e noventa!
Sala, sempre cheia. Figurinistas, críticos de moda, jornalistas, compradores de grandes lojas e cadeias, potenciais compradores individuais. Nesse meio, entre tantos, um senhor, longos cabelos brancos, óculos de aro grosso, quieto no seu canto, não perdia detalhe algum do desfile. Quando este terminou pediu a um dos funcionários da organização para levar uma pequena mensagem a Mrs. Elizabeth. Um cartão unicamente com dois traços vermelhos!
Elizabeth e Ethel ao receberem a mensagem voltaram correndo para procurar no meio público onde estava o tão misterioso senhor “X”, mas, mesmo correndo com cuidado todas as caras que lá estavam nada concluíram.
Poucos dias depois, na empresa, outro mensageiro, desta vez com um menos lacónico bilhete:

Mrs. Elizabeth and Miss Ethel - Tomorrow - Lunch – 13H00
ALDEA -  31 W 17th St, New York, NY 10011, EUA
Please confirm with the courier

- Pode dizer que sim. Que aceitamos.
- Ethel! Ethel! Venha aqui depressa. Mande alguém seguir o mensageiro. Ele vai levar uma resposta ao nosso misterioso amigo.
Lá foi uma colega que nada tinha a ver com o assunto. Seguiu o rapaz que trouxera o bilhete, mas este não se encontrou com alguém, entrou num bus e... sumiu. Tudo quanto ela pensou ter visto foi ele fazer um pequeno aceno de cabeça, mas... para quem?
No dia seguinte, ambas muito elegantes chegaram ao restaurante onde tinham uma mesa reservada com três lugares.
Nervosas, esperaram ofegantes que aparecesse o tão desejado “anjo”.
Não tardou a entrar um jovem, aparentando no máximo 28 a 30 anos, alto, bonitão, meio louro, e viram o maître encaminhá-lo à mesma mesa.
Cumprimentou as senhoras, apresentou-se - Brian - e disse que na véspera tinha encontrado num restaurante um senhor com quem teve uma muito agradável conversa, e lhe perguntou se queria almoçar hoje neste restaurante.
-Eu disse que sim, e que como ele se deveria atrasar um pouco pediu-me que entregasse este bilhete à Mrs. Elizabeth. E que fossemos almoçando. O mâitre teria todas as instruções para que nada faltasse.
O bilhete era, como de costume lacónico:
Thanks for the nice work //
Elizabeth, franziu a testa.
- Porque agradecer-lhe? E porque os dois traços vermelhos?
- Brian como era esse senhor?
- Estatura um pouco acima da mediana, uns 40 e poucos anos, bem vestido, sem luxo. Muito simpático, fala suave.
- E como se chama?
- Não disse. Quando lhe perguntei, disse-me que o saberia hoje! Eu vim para aqui meio desconfiado de que seria uma brincadeira, mas parece que não é. Sobretudo em companhia tão agradável.
O almoço foi sendo servido, mas o 4º personagem, tão esperado, não apareceu, e a conversa teve que fluir. Aliás a mesa estava reservada para três!
­- Brian! O que você faz? Em que trabalha?
- Sou designer. Não tenho emprego e colaboro de vez em quando com várias empresas, sobretudo no campo da moda.
Elizabeth:
- Sabe quem eu sou? Conhece-me?
- Infelizmente não tenho esse prazer.
- Eu sou Elizabeth e esta é Ethel. Trabalhamos na Elizabeth Fashion!
-Elizabeth Fashion, conheço de nome, e, sem querer fingir, devo dizer que gosto muito dos seus modelos.
- Sabe como começou a empresa?
- Não tenho ideia.
- Esse mesmo senhor com quem esteve hoje, um dia eu conheci do mesmo modo. Uma conversa informal, disse-lhe que a minha ambição era trabalhar com modas e... abriu-me as portas de um banco que me deu para abrir o negócio! Com a Ethel, foi parecido. Encontrou-a meia perdida no meio da rua e mandou-a ter comigo. Ethel é hoje a número dois da empresa. E agora você, Brian!
- Estranho. Muito estranho tanta coincidência.
- Parece que o destino o mandou vir trabalhar conosco!
- E será um grande prazer.
Os três não sabiam mais o que dizer. O misterioso senhor “X” tinha articulado um esquema sem que alguém entendesse porque, e como!
Quando pediram a conta, foram informadas que tudo estava liquidado!
No dia seguinte já Brian estava no novo trabalho, e formou a terceira perna que faltava naquele tripé para que tudo fosse perfeito.
Todos três tinham visto o senhor “X” uma vez na vida. Só. Mas ninguém esquecia a sua cara, mesmo que já tivessem passado, para Elizabeth, quase cinco anos.
A empresa progredia, mas em todos havia alguma tristeza por não poderem conhecer e agradecer ao seu “anjo”.
Entre Brian e Ethel alguma coisa os aproximara... completamente. Casamento marcado. Tudo quanto desejavam era a presença do senhor “X”.
Vésperas da festa combinam os três irem ao New Your City Ballet ver o Ballet Bolshoi, sempre uma maravilha.
No primeiro intervalo um dos funcionários do teatro aproxima-se deles com um bilhete: “Um senhor pediu que vos entregasse isto”, e seguiu.

Tomorrow - Lunch – 13H00 / /
ALDEA -  31 W 17th St, New York, NY 10011, EUA
Table reserved for Mrs Elizabeth (Fashion) for four
Please confirm to the restaurant -  Tel. 212-675-7223

- !!! Quem seria a quarta pessoa? Nova apresentação? Mais um colaborador?
Até ao dia seguinte ninguém se pôde concentrar no trabalho.
Exatamente à hora prevista os três chegaram ao restaurante. O mâitre encaminha-os para uma mesa onde um senhor já aguardava, sentado e desculpou-se por não se poder levantar.
Todos soltaram um quase grito, julgando reconhecer a pessoa que tanto por elas tinha feito.
- Eu conheço-os todos, todas, sei bem os vossos nomes. O meu é James. Por favor sentem-se. Eu não sou a pessoa que vocês gostariam de conhecer. Foi ele que me mandou que hoje viesse encontrá-los e explicar porque ele não aparece. Não que goste de mistérios ou brincadeiras, mas impôs a si próprio um anonimato que não lhe permita vangloriar-se do que faz pelos outros. Não foi só a vocês que ele deu uma mão. Foi a muitos outros, mas gosta sempre de ir sabendo o resultado que tem e, se necessário reforçar o apoio quando as coisas não vão tão bem quanto ele deseja.
- Para nós tem sido um tormento não poder conhecê-lo e agradecer-lhe tanto que fez.
- É isso mesmo que ele não quer. Ele sente-se compensado quando sabe que tudo está a correr bem, e foi isso que hoje vim aqui dizer-vos.
- ...
- Não me olhem desse jeito! Eu sei que somos parecidos, mas nem sequer temos qualquer parentesco. Viram que eu não me levantei quando chegaram. Pois é. Eu tenho paralisia nas pernas. Ele felizmente é um homem saudável.
Nenhum dos três convidados ousava sequer fazer perguntas. Nem se atreviam a pedir o almoço, tal o espanto que tudo lhes estava a causar.
- Vamos comendo, por favor. Eu vou ter o prazer de o informar que tudo está indo muito bem convosco. Ele até já sabe que vai haver um casamento!
- Como ele sabe???
- Nem eu sei dizer. Mas ele sabe. Sabe até onde vai ser a cerimónia, e... não deveria dizer, mas creio que vai lá dar uma espiada!
- Ahhh!
- Mas não tentem encontrá-lo. Ele sabe muito bem disfarçar-se! Se me convidarem, posso até ir eu!
Vésperas do casamento um belo presente, um envelope razoavelmente recheado, chega com o habitual cartão
Felicidades /////
Poucos convidados, cujas caras eram perscrutadas com minúcia. Do “anjo”... nada, o que entristecia os que tanto o queriam conhecer e agradecer.
A festa a chegar ao fim entra um homem, modestamente vestido que se dirige aos noivos, os abraça, deseja felicidades e vira costas. Depois abraçou Elizabeth, segreda-lhe ao ouvido alguma coisa, e, como entrou saiu e sumiu.
Elizabeth estava hirta. Os noivos correram para ela que simplesmente lhes disse:
- Era ele! Disse-me só: “Sou o James, e nunca vou deixar de vos acompanhar! Um dia vou aparecer.” Eu fiquei tão espantada que não consegui fazer nada.
Correram para fora e tudo quanto viram foi um carro a ir embora!
O mistério continuou.
Até hoje.
Faz o bem; não olha a quem!


Jul/2017

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